Scroll

‘O acidente mais feliz da minha vida’

Filho de Milton Nascimento, Augusto Kesrouani Nascimento fala sobre sua carreira de empresário musical, que começou por acaso — e que hoje, além do pai, abarca nomes como Samuel Rosa, Criolo e Djonga

por_Alessandro Soler de_São Paulo

Filho de Milton Nascimento, Augusto Kesrouani Nascimento fala sobre sua carreira de empresário musical, que começou por acaso — e que hoje, além do pai, abarca nomes como Samuel Rosa, Criolo e Djonga

por_Alessandro Soler de_São Paulo

Dividir-se entre os papéis de filho, cuidador e empresário de Milton Nascimento já seria tarefa para poucos. Mas Augusto Kesrouani Nascimento ainda encontra tempo e energia para gerir as carreiras de nomes como Samuel Rosa, Criolo e Djonga.

Minha principal função, com certeza, é cuidar do meu pai, estar com ele. Não tem nada que possa ser mais importante que isso agora.

Neste papo com a UBC poucos dias antes da partida de Lô Borges, grande amigo e parceiro de Milton, o jovem de 31 anos, formado em Direito, conta como o mundo da música foi se impondo pouco a pouco, no que ele define como “o acidente mais feliz” de sua vida.

foto_Arquivo pessoal

Com Samuel Rosa

REVISTA UBC: Deve ser difícil pra você se dividir entre os papéis de filho, cuidador, empresário do Milton. E ainda gerir as carreiras do Samuel, do Criolo, do Djonga… Você deve estar cansado.

AUGUSTO KESROUANI NASCIMENTO: Minha principal função, com certeza, é cuidar do meu pai, estar com ele. Não tem nada que possa ser mais importante que isso agora.

E como foram surgindo essas conexões? Houve um planejamento? Ou você simplesmente esteve atento aos sinais?

Nem sinal eu tive, eu acho. Eu brinco que fui atropelado pelo mercado musical. Foi um acidente — o acidente mais feliz da minha vida. Sou advogado de formação. Me tornei empresário no fim da faculdade, naquele momento em que você não sabe o que vai fazer do futuro. As coisas foram acontecendo numa sequência de coincidências.

Quais?

Hoje eu amo fazer o que faço, mas lá em 2013, 2014, meu pai teve um período depressivo severo. Eu não queria mudar pro Rio, e ele ficava muito sozinho na cidade. Começou a ir pra Juiz de Fora, onde eu fazia faculdade, para ficar perto de mim. Ele tinha parado a carreira, e não havia perspectiva de que fosse voltar. Um dia cheguei em casa, e ele estava sozinho, tocando piano na sala. Tinha ficado mais de um ano sem tocar. Ali percebi que ele estava se reconectando com a música e propus fazer um show-teste. Foi no Palácio das Artes, em março de 2017. Eu já cuidava dos direitos autorais dele, meu primeiro trabalho. Ele saiu do palco abraçado comigo e pedindo pra marcar mais shows.

Eu não sabia nada do que estava fazendo. Sorte que me cerquei de pessoas de bom coração e que amavam meu pai — a maioria da equipe ficou com a gente até o último show (em novembro de 2022, no Estádio do Mineirão). Comecei a representá-lo perante o mercado. Depois de uns meses, disse a ele: “Bicho, acho que as pessoas acham que sou seu empresário.” Ele respondeu: “O que você sente com isso?”. Eu disse: “Tudo bem.” Ele falou: “Pronto” (risos). Assim começou.

foto_Arquivo pessoal
Djonga entre Milton e Augusto
Djonga entre Milton e Augusto

Quando era adolescente, o que você sonhava em ser?

Nunca tive um sonho profissional, e isso preocupava minha mãe. Eu mesmo me angustiava com isso. Nunca me imaginei amando o que faço. Achava que ia trabalhar como meio de subsistir, simplesmente, até poder parar. Hoje é o contrário. Tenho este fim de semana um show com Samuel Rosa no (festival) Rock The Mountain. É um cara que é meu amigo, parceiro e ídolo. Domingo tenho Criolo. Outro cara com quem tenho uma ligação muito forte. É um privilégio poder fazer o que faço. Me espelho em figuras como (o diretor-executivo da UBC e ex-executivo de inúmeras gravadoras) Marcelo Castello Branco, um operário da música, e Aloysio Reis (diretor na UBC e presidente da Sony Music Publishing Brasil), meu padrinho profissional e amigo querido. São grandes exemplos.

Os dois são oriundos do mundo das gravadoras e editoras. Você se vê trabalhando do outro lado do balcão?

Acho que não. Tenho muito prazer em estar na estrada, vendo os shows acontecerem. Por mais que durante a semana meu trabalho seja de escritório, me sinto feliz nesse lugar do relacionamento. É como sou feliz.

O que mais o surpreendeu no mundo da música?

foto_Arquivo pessoal

Pai e filho com Paul McCartney

Acho que foi descobrir o quão pequeno é o mercado musical e como as relações profissionais estão vinculadas, em grande parte, com as relações pessoais. No meu segmento, tudo nasce da amizade: Maria Gadú virou minha melhor amiga; Simone me chama de filho; Samuel (Rosa) é parceiro de churrasco; Criolo é meu amigo desde a turnê com meu pai; e Djonga também virou amigo antes de trabalharmos juntos. Esse lado pessoal é o que mais me encanta.

Já recebeu propostas de fundos para comprar o catálogo do seu pai?

Já, mas no Brasil os caminhões de dinheiro que circularam nas compras de catálogos lá fora passaram longe. Acho quase afrontoso. A música brasileira é riquíssima, e os valores oferecidos são ofensivos. A venda de catálogo não inclui direito moral, só o patrimonial. Desde que o autor siga aprovando cada uso, não vejo problema conceitualmente. O problema é vender “como banana na feira”: pega o catálogo e faz o que quiser. A obra do autor tem valor simbólico, histórico e patrimonial. Não se pode simplesmente pegar uma música, usar como quiser e chamar de “homenagem”, como infelizmente acontece muito.

Next
Next