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Rock doido

O que é esse verdadeiro fenômeno paraense ainda não tão conhecido em outras partes do país, e que tem em Gaby Amarantos uma ‘embaixadora'

por_Eduardo Fradkin do_Rio

O que é esse verdadeiro fenômeno paraense ainda não tão conhecido em outras partes do país, e que tem em Gaby Amarantos uma ‘embaixadora'

por_Eduardo Fradkin do_Rio

Fenômeno cultural paraense, o rock doido ganhou projeção em todo o Brasil desde que a cantora Gaby Amarantos lançou, no fim de agosto, um álbum e um curta-metragem (disponível no YouTube) com essa expressão no título. O que pode ser considerado uma novidade por muitos de seus ouvintes já é paixão antiga dos moradores de Belém, berço de festas, shows e até de uma plataforma de streaming exclusivamente dedicada a esse gênero, com mais de 100 mil downloads. Mas, afinal, o que é o rock doido?

“É o tecnobrega misturado com outros ritmos, como funk, axé, reggaeton e forró. E também é o nome que damos a um tipo de festa que tem fogos de artifício, canhões de luz, DJs tocando, artistas cantando, estruturas gigantescas das aparelhagens e um público muito empolgado", define MC Dourado, nascido em São Paulo e radicado em Belém há 13 anos.

foto_divulgação

MC Dourado: "Eu costumo ser a última atração da noite, então, geralmente, toco às três da manhã. Meus shows são uma loucura..."

Não é só a plateia que vai à loucura nos eventos de rock doido, como atesta Dourado.

"Tem um momento, nos meus shows, em que eu pulo no meio da galera. Rock doido é bagunça! Eu costumo ser a última atração da noite, então, geralmente, toco às três da manhã. Meus shows são uma loucura... a galera joga cerveja pro alto. Tem chuva de bebida. Às vezes, eu entro até de capacete, quando estou com o cabelo recém-lavado e tenho outro show no dia seguinte. Foi daí que surgiu a inspiração para a música 'Cerveja Voadora', que fiz com a Gaby Amarantos. Já aconteceram várias coisas loucas, como uma mulher que subiu no palco, tirou a calcinha e jogou em direção ao público. Mas ninguém pegou", lembra o MC, que ainda não transformou este último 'causo' em obra musical.

MOSH DOIDO

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DJ Vicctor: "O gênero rock, curiosamente, não é aproveitado no rock doido."

Em shows de rock, a ação de pular do palco para cair nos braços do público é conhecida como mosh. Adotada por Dourado, essa prática talvez seja o único elemento roqueiro já visto num evento de rock doido. Afinal, o movimento cultural paraense engloba referências musicais variadas, mas a que a batiza não é uma delas. Idealizador do aplicativo Rock Doido — uma plataforma de streaming que agrega canções, playlists e divulgação de eventos —, o DJ Vicctor, de 26 anos, dá sua explicação:

"O rock doido é tudo. É uma gíria popular do paraense, que inclui funk, brega, tecnomelody, carimbó, MPB... tudo numa batida mais acelerada. As músicas são mais agitadas, para o pessoal pirar. O tecnomelody tradicional é mais para dançar. O gênero rock, curiosamente, não é aproveitado no rock doido. No máximo, o que toca é algo da Legião Urbana um pouco mais acelerado.”

Aceleração é uma palavra-chave nesta equação musical.

"A gente usa um BPM (batidas por minuto) de 180. A gente pega um funk, que costuma ter 130 BPM, e transforma em 180 BPM. Fazemos isso com axé e outros ritmos também; damos essa acelerada. E tem as músicas autorais, também feitas nessa velocidade. As aparelhagens tocam várias músicas autorais. Eu compus a faixa 'Faz a Boquinha do Animal', que está estourada aqui (em Belém), em homenagem à aparelhagem Crocodilo. É em 180 BPM. Mesmo as músicas com coreografia são nessa batida rápida", conta Dourado. "Antes de vir o rock doido, havia o tecnofunk. Dava muito certo a mistura do tecnobrega com o funk. Aí, virou rock doido a partir do momento em que passamos a misturar com outros ritmos, como forró, axé e reggaeton, tudo em 180 BPM".

O aspecto visual é outro ponto crucial na cartilha do rock doido, e uma força motriz são as aparelhagens. O termo é usado para festas (ou as equipes por trás delas) com estruturas gigantescas, caixas de som, painéis de LED, canhões de luz, pirotecnia e grandes plataformas esculturais, às vezes em formato de animais, onde se apresentam DJs. Em algumas delas, há palco para músicos e dançarinos.

As roupas e as coreografias exuberantes completam o festim visual. Uma boa amostra é o filme de 21 minutos intitulado "Rock Doido", estrelado por Gaby Amarantos, lançado simultaneamente ao disco de mesmo nome. O produtor Félix Robatto, que assinou a faixa "Carregador de Aparelhagem", faz uma analogia curiosa:

"Assim como existem as óperas-rock, esse trabalho da Gaby, intitulado 'Rock Doido', é uma ópera-brega. É um trabalho conceitual, que ela planejou como álbum fonográfico e conteúdo audiovisual. O vídeo e as músicas se complementam. Eu sempre defendi que o tecnobrega só pode ser totalmente compreendido quando visualizado, porque é uma festa de aparelhagem. O assunto não é só a música. Então, quando a Gaby apresenta esse trabalho, mostrando todo esse universo, fica mais fácil compreender essa cultura.”

É o tecnobrega misturado com outros ritmos, como funk, axé, reggaeton e forró. E também é o nome que damos a um tipo de festa.

MC Dourado

Para quem quer conhecer melhor o rock doido, DJ Vicctor recomenda as cantoras Viviane Batidão e Manu Bahtidão, as bandas AR-15 e Os Brothers, os DJ Gigio Boy e Andrey e as aparelhagens Carabao, Lendário Rubi e Super Pop Live. Ele mesmo já passou por várias aparelhagens, mas, desde que criou o aplicativo Rock Doido, durante a pandemia, tem feito carreira solo como DJ.

Embora não seja capaz de apontar a origem exata do termo "rock doido", ele diz que a moda veio da periferia de Belém, de bairros como Condor, Terra-firme e Guamá. A opinião é compartilhada por MC Dourado, que celebra a 'ascensão social' do movimento:

"Vêm acontecendo shows de rock doido em lugares nobres de Belém, como o (Espaço Náutico) Marine Club e o estádio olímpico do Mangueirão. O rock doido está alcançando espaços onde não estava antes, porque veio da periferia. Outro fato que mostra como o rock doido cresceu é que ele entrou no repertório de artistas famosos que vêm tocar no Pará, como Nattan e Wesley Safadão. Eles sabem que a galera vibra muito quando tem rock doido no show.”

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A Aparelhagem Rubi: exuberância dos sistemas de som é um traço estético da cena
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